De repente, tudo mudou:
O doce de leite comprado no bar não veio
e a criança chorou.
O cavalo não veio
e a criança chorou.
O chapéu sumiu
e a criança chorou.
O beijo, cadê?
Ficou vazia a criança.
Coitada!
Era começo,
prenúncio só.
A maca na rua,
a moça na maca
o braço quebrado
inchado
gesso
o corte da perna
sapo
a terra,
sangue nos olhos
água nos olhos
do adolescente.
E sexo
e grito
e desânimo
e revolta
e briga
e sexo...
Motocicleta caída
caído o ciclista
Faixa
médico
fooomm
lombada
curva
carro vermelho
avião
tum
tum
tum
médico hospital cabeça revista
Esperança
aula
chuva
morte.
Desesperança.
Carro preto na noite.
Perfume
desmaio
choro
. . . e amanhecendo. . .
(e o amanhecer!!!)
amanheceuamanheceuamanheceu
Enterro
Enterro
Enterro
Coitado do cara,
triste outra vez.
A criança nele chora de novo
e a água do adolescente
nos olhos dele cai.
Perfume
Cheiro...
Enfia o dedo na terra, menino!
Medo. . .
São duas terras procê, menino!
Desespero.
Enfia o dedo na terra.
Um beijo apaga muita coisa.
O amor apaga muita coisa
quando se apaga.
Agora, cara,
apesoado e sozinho,
se a vida mudar
você vai voar
feito um passarinho
criado em gaiola.
Muda não,
minha amiga
mais inimiga,
muda não
que eu já me acostumei.
Vê:
o menino não chora mais,
o adolescente tem os olhos secos,
e o cara aqui, sabe,
é masoquista.
Daniel Moura (1976)