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  • Daniel Moura

Traumas

De repente, tudo mudou:

O doce de leite comprado no bar não veio

e a criança chorou.

O cavalo não veio

e a criança chorou.

O chapéu sumiu

e a criança chorou.

O beijo, cadê?

Ficou vazia a criança.

Coitada!

Era começo,

prenúncio só.

A maca na rua,

a moça na maca

o braço quebrado

inchado

gesso

o corte da perna

sapo

a terra,

sangue nos olhos

água nos olhos

do adolescente.

E sexo

e grito

e desânimo

e revolta

e briga

e sexo...

Motocicleta caída

caído o ciclista

Faixa

médico

fooomm

lombada

curva

carro vermelho

avião

tum

tum

tum

médico hospital cabeça revista

Esperança

aula

chuva

morte.

Desesperança.

Carro preto na noite.

Perfume

desmaio

choro

. . . e amanhecendo. . .

(e o amanhecer!!!)

amanheceuamanheceuamanheceu

Enterro

Enterro

Enterro

Coitado do cara,

triste outra vez.

A criança nele chora de novo

e a água do adolescente

nos olhos dele cai.

Perfume

Cheiro...

Enfia o dedo na terra, menino!

Medo. . .

São duas terras procê, menino!

Desespero.

Enfia o dedo na terra.

Um beijo apaga muita coisa.

O amor apaga muita coisa

quando se apaga.

Agora, cara,

apesoado e sozinho,

se a vida mudar

você vai voar

feito um passarinho

criado em gaiola.

Muda não,

minha amiga

mais inimiga,

muda não

que eu já me acostumei.

Vê:

o menino não chora mais,

o adolescente tem os olhos secos,

e o cara aqui, sabe,

é masoquista.



Daniel Moura (1976)

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