Você me olha, filhinho,
e sente pena, eu sei.
Esta coroa que fere minha fronte
perturba você.
Ela faz brotar gotas de sangue
que descem pelo meu rosto
e caem dentro do seu coração...
Você fica penalizado, não é?,
como se sentisse a minha dor.
Os meus olhos tristes,
cheios de uma amargura mortal,
profundos e significativos,
dão-lhe a impressão
de que estou a lhe vigiar
e a pedir verdade
e a pedir amor...
Quantas vezes o meu semblante
sofrido e angustiado
fez você chorar!
E ficou só nisso, não foi?
Quantas vezes, filhinho,
minha tristeza passei pra você,
para que sentisse coisas mais
que simplesmente pena
da minha Paixão.
Mas você não entende...
Você não entendeu nada!
Saiba, filhinho,
que eu também,
e você nem imagina o quanto!,
eu também fico muito triste
quando vejo você e seus irmãozinhos
se maltratarem,
fazendo de degraus uns aos outros,
como se não soubessem
que a escada que os traz a mim
é feita, não de seres humanos,
mas de obras e boas ações.
Não se esqueça, meu filho,
que nesta escada humana
eu estou em cada degrau...
E você está pisando em cima de mim.
Eu choro muito, filhinho,
quando você passa por seu irmão
caído na rua
e não se conscientiza desta irmandade,
pela mulher de quem você compra
momentos fúteis e degradantes,
pelo doente
que você não socorre,
pelo amigo que,
o invés de mãos
você lhe dá luvas,
deixando-o só nos momentos difíceis.
Estes espinhos, sim,
doem muito!
Sabe porque, filhinho,
eu choro
e você também?
Porque são novos Cristos
que você crucifica,
sou eu crucificado outra vez
em cada um deles
- uma eterna sexta feira da Paixão...
Você entende agora, filhinho,
porque só você pode apagar
este meu semblante triste,
este meu eterno angustiar na cruz?
Lava o meu rosto.
Tira este sangue dos nossos corações,
Por favor...
Daniel 22/03/1976