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  • Daniel Moura

PLENITUDE

Ao longo de nossa história aqui na terra, muitos filósofos, teólogos, místicos de todos os cantos do mundo, estudiosos da condição humana escreveram sobre viver em plenitude. Utilizaram-se de abordagens e terminologias diversas, próprias de sua cultura ou profissão de fé, como iluminação, redenção, estado de graça, nirvana, paz interior... Mas todos eles concluem que são necessárias duas atitudes para alcançarmos este estado: leveza e encantamento.

Leveza, no sentido de libertação. Ser livre o bastante para não ficar pesado, agarrado ao chão, encarcerado no corpo por limitações impostas pela matéria, já que estamos todos subordinados a ela. Paradoxalmente, esse limite muitas vezes nos leva a acreditar que tudo o que temos é eterno, não fugaz. Talvez, por isto, nossas angústias, misérias e medos estão sempre ligados ao apego. Carregamos conosco o medo de perder aquilo que já perdemos, já não é nosso, pois nos serão tirados quando não mais estivermos limitados ao corpo. Já perdemos tanta coisa durante a caminhada! Por que nos apegarmos a bolhas de sabão? Elas estouram no espaço, não suportam o tempo.

Se, por um lado, tempo e espaço nos amarram, nos limitam, por outro, poderão nos ensinar o peso das coisas em nossa vida, a densidade que colocamos – além daquela natural que cada partícula de matéria já contem em si – nos objetos, nos bens e, porque não dizer, nas pessoas. O tempo e o espaço nos dão a verdadeira dimensão de nossos apegos; sendo finitos, revelam-nos a infinitude de nossos sonhos, o imponderável de nossos desejos e a nossa ânsia de libertação.

Mas como nos libertar se ainda estamos presos? A resposta é sempre a mesma, em todas as raças, em todas as culturas e religiões: Por meio do desapego. Precisamos nos livrar de tudo o que nos amarra, de todo o peso que carregamos ao longo dessa vida, malas cheias de lembranças, mágoas e ressentimentos. Nesta estrada, precisamos viajar mais leves, desapegarmos aos poucos de tudo aquilo que nos prende e que nos deixa pesados, ligados ao efêmero. Precisamos buscar a leveza nas relações com a posse, com a pose, com o poder, e tornar mais leves nossos relacionamentos interpessoais. O outro é um universo inteiro de possibilidades, uma realidade nova e insondável, livre, que não podemos escravizar nem dominar. Tão livre que não nos pode prender, nem alienar, nem limitar. Na relação plena, não cabe o apego; ele gera o medo de perder. E o medo é o contrário do amor. Quem ama liberta, desapega, vive no mundo, mas não é do mundo.

O poeta Fernando Pessoa dizia que “desapegar-se é renovar votos de esperança em si mesmo”. Com essa esperança, e cada vez mais livres e leves, vamo-nos preparando para viver em plenitude. Mas ela só será completa quando aprendermos a nos encantar com tudo e com todos. Ver a beleza presente em todas as coisas, encontrar a beleza nos pequenos detalhes que este mundo nos permite vislumbrar, imagens, cores, sabores, sensações. Vê-la além do que os olhos são capazes de perceber, escondida nas limitações da pessoa amada, nas incoerências e inconstâncias de companheiros e em nós próprios, nos silêncios, nas ausências. Ver beleza onde tantos só enxergam amarguras e tristezas, sofrimento e dor. E ser capaz de se encantar com pequenos detalhes, coisas simples que se tornam sofisticadas, como o canto de um sabiá, um por de sol, a fumaça saindo da comida quentinha, servida com amor e delicadeza, a chuva fecundando a terra, o broto do milho, um arco-íris, um sorriso... Tudo isto são portas que se abrem para a felicidade, chaves de alegria!

Viver em plenitude é estar leve o suficiente para voar quando as asas estiverem prontas, e o vento soprar favorável...

Daniel Moura


(34º Encontro da Feliz Idade)

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